MARCELO RUSSELL

A franqueza tem limite na indelicadeza. Passada a fronteira, está a rudeza.

Textos

A Palavra e o Palavrão em Crônica
na Mesa do Bar
 

- Cedo ao dizer, ele tem sede desde cedo.
- Ratifico, nesta sede, é por certo escritor.
- Não, não, retifico, ele é só reles teclador.
- E existe essa palavra? Diz-me, por favor.
- Neologismo besta, que o autor inventou.
- Cerveja, mesmo devagar, o faz levantar.
- É claro! Tem que o xixi desanuviar.
- Começo a captar esse começo.
- Continuemos a conversa sem tropeço.
- Pena, não mais se usa tinteiro.
- Estás ligada? Tinteiro não é quem pinta.
- Não precisa me expiar quem pinta é pintor.
- Pois é, mas espia, pintor deveria ser pinteiro.
- Só porque tinta vem do tinteiro?
- Shhhhh! Lá vem o gato de novo.
- O gato, outra vez, nem as mãos lavou.
- Estou falando do gato de patas, o miador.
- E eu do gato de dedos, o teclador.
- Tu és como palavras assanhadas.
- Que de mim, um palavrão, tu esperavas?
- Mais jeito, um bom gesto, menos desrespeito.
- Nasci, a despeito, desse jeito, sem trejeito.
- Vou me apresentar em primeira mão.
- Não! Fica no teu canto, dessa vez eu que vou.
- Meu canto é um encanto, mas tu és só palavrão.
- Fica na tua, no teu recanto, eminente cheia de pudor.
- Iminente, ele te jogará no lixo, pois não te usa não.
- Aff´s! Ele está na dividida entre lima e limão.
- Lima não dá boa rima.
- Depende da lima.
- Não, não tem lima que dê boa rima.
- Sim, rima, tangerina com limão. Que confusão!
- Eu não disse? Tangerina com limão é rima de balcão.
- Quer dizer caipirinha? Não mangues que assim tu me zangas.
- Depende da manga, para talhar ou gerar zanga.
- Pois provas provocar e cortar e vem me mangar.
- Tira a canga burra, falo da manga que dá no pomar.
- Hummm delícia! Não fale não, dessa eu adoro o cheiro.
- Também gosto. Como, como? De noite, sem olheiro.
- Então tu gostas da manga do candeeiro.
- Como tu és burra palavrão. Como, sem divisão.
- Burra és tu, palavra, que não tens opinião.
- Besta és tu, que em tudo opinas.
- Todo dia nessa mesa de bar, a mesma rotina.
- Pois é, o burro e a besta tem lá sua sina.
- Quem é mais besta e quem é mais burro?
- Simples, o burro é besta e a besta é burro.
- Parece que ele está pensando.
- Não, oferecida, ele está parando.
- Mas, por quê? Se tava só começando.
- Porquê a tinta acabou, que pena!
- É porque, porquê, por que ou por quê? Sempre tenho dúvida.
- Não vaciles, os porquês são as alegorias das parábolas.
- Pois aí é que muita gente se embola.
- Só quem pisa na bola e com a regra se enrola.
- Desculpe-me o português, mas não vou baixar a bola.
- É idioma para raros, desde aqui até Angola.
- Que pena? Não mintas. É teclado ou é pena que pinta?
- Não te ressintas, é cartucho da impressora jato de tinta.
- Não me enlouqueça, raivosa, eu não sou cegueta.
- Podia pegar a caderneta, continuar, só usando a caneta.
- Ele saiu sem apagar a manga da lamparina.
- E se a gente morrer dessa Morte Severina?
- Se não me usa, nem ligo, pode toda letra ser exterminada.
- Se eu morrer, asnada, não haverá mais palavrada.
- É mesmo? Pois não duvides em morrer queimada.
- Então, a conversa antes de começar, já começará terminada.
MARCELO RUSSELL
Enviado por MARCELO RUSSELL em 27/04/2015
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