MARCELO RUSSELL

A franqueza tem limite na indelicadeza. Passada a fronteira, está a rudeza.

Textos

AMIGOS PARA SEMPRE
(Uma Visão Topográfica do Grupo
)


Diz a lenda que basta ficar algum tempo em uma, para saber como laboram e vivem as aldeias, independente de qualquer precisão geográfica. Em síntese, são formadas por obreiros rurais. Gente humilde e trabalhadora. Todos se conhecem, trabalham juntos pelo bem comum, e, no final, nos dão os melhores vinhos do mundo.

Há um grupo de ex-alunos do Colégio Salesiano do Recife, de uma época precisa, tão longe quanto se mergulhe no passado, que comemora suas Bodas de Coral e, pode ficar certo o investigador, tem algo em comum com aqueles burgos.

Primeiro, porque após três décadas e meia pinta que o tempo pouco lhe significa. Os anos não influem. O grupo, em demasia influenciado pelo espírito da escola, exalta a vida como se provasse o melhor dos vinhos e tal qual o coral das bodas, o apego se fixou em progressão geométrica e eternamente nos corações de seus membros.

Nas safras mais perfeitas, também segundo a lenda, naquelas aldeias rolam magnas folias. Nada obstante, ao contrário da maré, quanto mais o tempo passa mais seus componentes se aceitam, mais se respeitam e mais se amparam. E, por último, mais exaltam a vivência, mesmo entre os mais pobres e necessitados. O grupo de ex-alunos, independente de classes sociais, sem bisbilhotar a atividade alheia e sem se importar com o momento atual ou pretérito, faz festas como aquelas das plagas citadas. E, ainda, amadurecido, almeja de modo candente o bem comum.

Respira-se maturidade naquelas aldeias. Há quem diga que é a própria madureza humanística, em sua acepção original, casta e estável. Deve ser considerado que a turma de ex-alunos comemora trinta e cinco anos e ruma intrépida para meio século. Isso é muito complexo para a essência humana ou mesmo para um grupo qualquer se nutrir vivo. Sob as bênçãos divinas o grupo não atrasa o relógio e deseja chegar, como numa fábula, pelo menos, às Bodas de Ouro.

A história não para por aí. Diz também que se trata de um círculo sem fim aquele existente no interior do chamado Velho Mundo. Admirável. Milenar. Cem, duzentos, trezentos anos, pouco significam para os aldeões, pois os costumes são os mesmo há mais de mil anos. Alguns ali nascidos, às vezes, trocam o burgo por outro destino, mas, o amadurecimento faz com que muitos dos poucos que saem, retornem e, assim, as tradições são mantidas e sempre há renovação dos protagonistas. Esse comportamento também acontece aqui. Alguns deixam a convivência grupal de amigos do Salesiano, mas em seguida voltam. É também a tradição derivada da maturidade. Os que a chamado de Deus já partiram, compartilham pela janelinha de inspiração divina aberta lá no céu e de lá deixam cair pétalas de rosas brancas que resumem a paz.

Com o cruzar dos tempos, os amigos desafiando as teorias dos grandes pensadores, melhor compreendem as diferenças que os distinguem entre si e, mais facilmente, asilam as divergências lá no fundo dos peitos, como se não existissem desarmonias. Os que tentaram entender esse fenômeno tão perceptível de amor e patente ausência de egoísmo - que é quase visível, palpável, mensurável - se sentiram impotentes para fazê-lo. Por isso, nem mesmo Kelsen, Kant, Del Vecchio ou Savigny, com suas correntes filosóficas, conseguiriam ter noção sobre o comportamento místico e instintivo das pessoas dessa sociedade. Ninguém se anima a pretensão de formular uma definição. Muitos já falharam nessa tarefa. O melhor, talvez, seja sempre que possível, sintetizar alguma noção comum que envolve a concepção do grupo. E, tão-só.

Ainda tal qual os interioranos do continente europeu, a reverência mútua impera e impressiona. As relações se revelam diárias, porém, não são prosaicas. Mostram-se necessárias. Um bálsamo suavizando o conturbador dia-a-dia. É como se a enxada de um, mesmo afastada, estivesse sempre pronta e à mão para arar a terra do outro, ajudando-o no labor. Sem intelectuais nem jogos de palavras, só gente humilde e de boa índole, o que o torna homogêneo na configuração, o grupo comumente usa da dialética para novas descobertas e para contar histórias que nunca evaporam no tempo, adequadas como cantigas de ninar.

É aceitável o contraponto, a contraposição, embora existam tantas quantas se possam imaginar, opiniões díspares. Sabem que nem toda crítica é procedente e nem toda ideia é de todo sustentável. Assim, Não falam em autonomia, pois aparenta que uma opinião é a inspiração e efeito de outra e não exprimem ideias antagônicas, mas ao contrário, observa-se uma tendência à convergência ideológica. A aspiração dentre os partícipes é fazer prevalecer a razão e não a própria visão. Eis a ótica usada para abarcar a longa vida do grupo, como assim também acontece naquelas sociedades aludidas. Por essas razões, os ex-alunos nos dão a idéia de serem aldeões de uma confraria magnífica, cobiçada e rara.

Nesse sentido, todos, indistintamente, que pertencem a essa individualidade coletiva, que não individua nem personaliza a disposição do indivíduo, e aos que no futuro venham a pertencer, devem ser dados reconhecidos aplausos.

Deus os guie e os mantenha amigos... Amigos para sempre.
MARCELO RUSSELL
Enviado por MARCELO RUSSELL em 16/10/2014
Alterado em 20/10/2014


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