MARCELO RUSSELL

A franqueza tem limite na indelicadeza. Passada a fronteira, está a rudeza.

Textos

FRONTEIRA DA DESILUSÃO

 “... Quanto mais juntos, mais próximos, mais íntimos - maior a decepção.” Amigos... Companheiros... Chi! Eles se foram?! ...E se vão! Para-choque de caminhão.

Alto lá! Estejam preparados!

Nas amizades, nascem e moram enganos e enganados. Afeição e ternura, por si só, pressupõem fantasias. Comunidade de parentes sem harmonia. Inocência naufragada. Ninguém resiste a uma emoção tão fria. Nem mesmo a melhor cria.

Na fábula, está a quimera - e lá estão as frustrações. Nem sempre é primavera. No mais achegado, alcançamos o sonho que é nosso. Sonho mortal. Surreal. Ataduras de couro. Lavadouro de devaneios. Anseio que não veio. Não há amigo que não se realize no outro. Ouro de lei. Lei de ouro. Ouro besouro. “Se não consigo, meu amigo consegue”. É mais ou menos assim. Percebe?

Por isso, ouve-se dizer: “o dano da ilusão não deve desalojar o amigo nem um instante”. Quem sabe, porque acolhimento é raro e amissível e desilusão é abundante? Errare humanum est!

Noutras palavras: perdoe sempre, de norte a sul e de leste a oeste! Remédio bíblico. Manipulação de fraternidade. Tem pra mais de dois mil anos de idade. Ainda está no prazo de validade?! Ou se perdeu no vale da idade?

Se nos desapontamos com os outros, eles igualmente se desapontam conosco. Infelicidade! São as rochas imóveis dos caminhos. O barril sem o vinho. O sóbrio caminhando sombrio.

Decepção vai, desengano vem. Vem decepção, vai desengano. Na amizade nasce e mora o engano. E o enganado entra iludido pelo cano. É uma pista de dupla mão. Eternamente existente. Não há opção. Uma via persistente. Estrada desastrada, uma lágrima derramada ou uma desestrada.

Por desesperançar, não ponha em risco a amizade. É idiotice. Tolice das grandes. Você também desilude, basta levantar o olhar. Sem sobreolhar.
Drummond de Andrade poetizou: mover a pedra que não se move é de lascar! No cume do monte, há caudilhos sem rumo e sem passaporte, é um desnorte. Precipício da amizade: não há amigo para a vida e para a morte.

Daí há amigo da onça, amigo-urso, vizinho, o não amigueiro e o amigote. Importante é lembrar que rei e peão, depois do jogo, retornam pro mesmo caixote. Sem ostentação, soberba nem vaidade. Voltam a ser objeto material, sem alegoria inquisitorial.

Tudo que tanto desconstrói. Desapontamento, deslealdade, ingratidão ou traição. Pororoca sem compaixão. Ruínas da desolação. Deserto por falta d’água no sertão. Aquela casta, não é banalidade, mas em ânforas douradas jorram amenidades. É prosa, poesia, verso, novela e calote. Inspiração sem mote.

Um bebê chorão esperneia pela ausência do leite. A mamadeira é o pote.
Para ele, traição materna. Fome, agonia e desagrado. Dinastia sem dote. Biscoito e menino sem sorte. Não é um violino sem braço, ou vaso furado.
Só mais um peito escondendo leite pedrado.

A falta de gratidão e beijo do filho. Internet, twitter, terabaites e bits. Aperto no teclado e celular ligado. Época global. Facebook, blog e portal. Internauta conectado, destino desalmado. No visor, imagens e sons alienígenas e globais. Uma tribo sem tribais. Caramuru e Paraguaçu com laptop, wireless e programas antivirais. Dias e vias digitais.

Ausenta-se do seu mundo, desde que despreguiça até a escuridão. Figura negra na noite. É o cão! A varanda noturna calada. Na ceia imolada, triste cadeira vazia. Cão que não ladra. Falta de prato na pia. Salões sem dança, moça sem trança, onça sem pança e criança sem esperança.

Leitor de disquete, Pac-Man, DOS, Abandonware. Alternativa assaz. A era dos pais. Pro rapaz, ancestrais, apenas um esquecimento a mais. Nada demais. Esquecer de pedir a benção ou escovar os dentes, tanto faz.

Há a deslealdade de alguém confiável. Uma lança traiçoeira, que sangra rasgando. Inescrupulosa faca, mais doída que a artilharia do pior inimigo. Devagar vai matando. Caráter mau, mascarado e dissimulado. O Cheiro da deslealdade denuncia tua agonia. Coitado!

Cangaceiro covarde, sem pudor, quantos da tua grosseira espada sentirão essa dor? Hino de clube... Uma vez gente descarada, sempre descarada. Faca enfiada, bem amolada. Na lembrança, é de confiança, dá dó, há esperança...

Ameniza o pobre azarado, de morte golpeado. Maiores abandonados. Corações atravessados. Sons fúnebres sintetizados. Expectativa de bobos. Corpo infeccionado. Probabilidade de otários.Pêsames solitários.

Gerada feito flor de bromélia, a treta existe desde o arco da velha. Desapontamento por traição. A suprema dor sentimental. Eclode no íntimo mais claustral. Fatal! Tal qual patrão amigo de empregado. Um protege e acolhe, do outro lado há sempre um ludibriado. Vá embora, desgraçado disfarçado!

Hiena não nasce em árvore, mas faz parte da paisagem no estandarte da fronteira da desilusão. Por onde entra e sai o doce amargo do amigo execrável. De retalho acetinado, invisível e abominável. Bandeira presa ao grosso mourão, cor cintilante, pano trêmulo, não levanta nem faz poeira no chão. Portão inexpugnável, não tem mão nem contramão. Estrada de ferro sem vagão. Meu momento sozinho. Não abre nem fecha o caminho, pois, onde existir amizade, sempre haverá espinho. 
 
MARCELO RUSSELL
Enviado por MARCELO RUSSELL em 15/06/2011
Alterado em 25/06/2013
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